Entrelaçando a ciência cidadã e a arte

Por , 19 de February de 2016 a las 11:00
Entrelaçando a ciência cidadã e a arte
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Entrelaçando a ciência cidadã e a arte

Por , 19 de February de 2016 a las 11:00
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Em meados do século XX John Cage criou uma obra chamada 4’33’ que consiste em quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio. Silêncio para ser interpretado (na verdade, o músico não tocava nada durante esse tempo) em um auditório com público, o artista concebeu a audiência como atores e não só como ouvintes. De forma involuntária cada pessoa emite um som ao bocejar, ao respirar ou ao mover os pés, que a audiência escuta e percebe como parte da obra. Podemos ver muitos mais exemplos de obras que não são possíveis sem a participação dos visitantes que se transformam e co-criadores.

Se a esta implicação do público não profissional em um processo criativo, acrescentamos um ingrediente chave, o compromisso, e o aplicamos à investigação científica então temos o que chamamos ciência cidadã. Apaixonados especialistas que atuam por hobby, gente que quer colaborar pelo bem comum, e curiosos de todos as cores participam ativamente em experimentos. Os voluntários colaboram com seus conhecimentos ou dados experimentais, inclusive utilizam seus próprios celulares ou outros objetos. Estes recursos são úteis para os pesquisadores que buscam resolver em conjunto os desafios, cada vez mais complexos, que enfrentamos. O potencial deste paradigma pode ser visto em muitas dimensões: científicas, tecnológicas, sociais, políticas, econômicas ou meio ambientais. Ao participar, os voluntários adquirem novas habilidades e uma compreensão mais profunda do trabalho científico de maneira direta, em primeira mão. Não só ouvindo ou vendo, mas agindo. Isto também serve para abrir portas e janelas nas instituições e em laboratórios, mudando a sensação de hermetismo que muitas pessoas possuem da pesquisa.

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O projeto de ciência cidadã Eyewire está modelando um cérebro em 3D e inspirando práticas ações entre seus milhares de usuários. Crédito: eyewire.org

Nesta troca de papéis e de olhares, as fronteiras tornam-se mais turvas. O número de projetos e iniciativas de ciência cidadã cresce continuamente. Entre a lista dos projetos mais relevantes por mobilizar a milhões de pessoas devemos destacar Zooniverse, Fold.it, a computação voluntária ou o monitoramento de nossa biodiversidade. Na Europa foram estimuladas iniciativas de referência, como o projeto Socientize que lideram desde Zaragoza desde 2012 e, na Espanha, contam desde 2011 com Ibercivis, a fundação nacional, que serve para promover e apoiar projetos participativos de inclusão, do público em geral na ciência. Contam com mais de 40 projetos de outros vários grupos de pesquisadores da Espanha, Portugal e América Latina que servem para monitorar a gripe, a qualidade da água potável nas torneiras das casas, ou para estudar o comportamento humano, para citar só alguns exemplos. Também nos Estados Unidos foi lançado há poucos meses o escritório federal para oferecer serviços às diferentes comunidades.

Cada experimento é um mundo em si, mas em geral os projetos tentam atingir as maiores quotas de participação possíveis. Para isto, é necessário enriquecer as experiências e compreensão, explorando novos caminhos em formatos abertos. Aqui é fundamental também o papel dos artistas. Como criadores, criativos, misturam disciplinas de conhecimento e criam tangíveis de forma natural. Este remix serve para criar sinergias que aparecem e se amplificam pela confluência do digital e do participativo, do humano. No projeto AirBezen da Antuérpia, na Bélgica, foram distribuídos pequenos vasos com morangos entre a população, para utilizar as próprias plantas como biossensores e analisar a qualidade do ar naquela cidade. Os voluntários colocavam as plantas na parte externa de suas janelas e no final de um mês enviavam algumas folhas da planta em um envelope para que fossem analisados certos indicadores. É só um exemplo, que serve de contraponto à inércia do uso massivo das tecnologias dos microcontroladores.

Imagem de uma experiência promovida desde Ibercivis no festival Sónar+D de Barcelona. Em 2014, Miguel Angel Mercadal e RdeRumba, colaboraram em um experimento para analisar a inteligência coletiva aplicada à composição de padrões musicais.

Imagem de uma experiência promovida desde Ibercivis no festival Sónar+D de Barcelona. Em 2014, Miguel Angel Mercadal e RdeRumba, colaboraram em um experimento para analisar a inteligência coletiva aplicada à composição de padrões musicais.

Cada vez há mais exemplos de projetos de ciência cidadã, onde convergem, entre outros grupos, pesquisadores e artistas. Há alguns meses a Comissão Europeia encarregou Ibercivis de apresentar o programa STARTS em um ambiente tão singular como o festival Sónar+D em Barcelona e juntaram a mais de 30 grupos e instituições de referência que promovem e aproveitam este tipo de ações transdisciplinares com foco na inovação. Agora, têm em Zaragoza aberta uma convocatória internacional, para artistas em residência que criem novas obras para a exposição Reverberadas, que forma parte da European Digital Art and Science Network da que também forma parte, a fascinante exposição Matéria Prima no Laboral Centro de Arte e Criação Industrial em Gijón.

Em nosso mundo hiperconectado as palavras também adquirem sentidos mais amplos e mudam muito rapidamente. Etiquetar a ciência como cidadã serve principalmente para enfatizar a bidirecionalidade das interações onde todos ganhamos. E para demonstrar os valores críticos, democráticos que têm estas aproximações. Continuamente descobrimos fascinados que podemos fazer coisas com nosso ambiente e com nós mesmos, que há alguns anos eram mera ficção. Esta cascata de inovações tem consequências imprevisíveis e é pertinente fazer partícipes ao maior número de pessoas possível para avaliar e revisar o sistema continuamente. Cada vez é mais fácil aproveitar todo o poder que está fora do sistema científico convencional. Seja em exposições, em laboratórios, em cidades ou em montanhas remotas. Estes diálogos entre a arte e a ciência, entre a tecnologia e a sociedade, nos servem para dialogar, refletir, analisar e entender melhor nossa sociedade. Vamos tentar melhorá-la todos juntos.

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Imagem: Res-Ser, diorama de Oscar Sanmartín

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